domingo, dezembro 30, 2012

Somos vistos pelo que fazemos, não pelo que parecemos

Vivemos num tempo em que a moda é parecer ao invés de ser. Os modismos estão por aí em todos os sítios. E navega-se um pouco à espera que surja uma nova moda para que entremos nela.
Se a moda vigente é dizer palavrão, então temos todos que dizer palavrão, é de bom tom, senão ainda nos vão considerar cotas, velhos e antiquados; mas se a moda é o snobismo, há que ser snobe e, como tal, temos que, custe o que custar, pertencer ao grupo dos tios e das tias, senão não entramos na roda dos mais in; mas se a moda é o espalhafato, porque não ser espalhafatoso? Temos é que acompanhar a moda, que diabo!
Vive-se num tempo em que o que importa é parecer. Parecer bem nas artes, na música (que também é uma arte), na discussão de todos os assuntos, na política, etc. E, sobretudo, parecer aquilo que não somos. Temos é que parecer qualquer coisa, de preferência parecer melhor do que o outro, pelo menos aos nossos próprios olhos. É o que faltava não sermos o melhor, que mais não seja na nossa imaginação! Ser melhor do que o outro é a preocupação dominante. No entanto, quase sempre nos esquecemos que há sempre alguém melhor do que nós, em algum aspecto da praxis humana. Ninguém é em termos absolutos. Há sempre qualquer coisa que nos falta. E é neste pormenor que reside a beleza e a complementaridade da vida. E porque não é um ser absoluto, o homem é naturalmente um ser relativo, porque limitado. Precisa, portanto, dos outros.
Aliás, ninguém pode viver, nem sequer sobreviver, sem o outro. O outro é o alimento do eu. Esclareça-se que não há eu sem que haja um tu. Esse tu é o outro, mas não um ele... Ele passa ao lado, não conta na nossa aritmética, porque está fora do nosso cálculo relacional.
A reflexão sobre o eu e o outro seria um exercício interessante para todos aqueles que se julgam senhores de uma tal presença que transborda da sua própria esfera. E é este egocentrismo que faz com que, incapazes de se olhar,gente caia no mimetismo negativo, quase sem dar por isso, uma vez que estão convencidos de que agem ética e esteticamente de modo irrepreensível. É assim a natureza humana!
O espírito de observação e reflexão deveria conduzir-nos a contrariar este modus vivendi. Porque não queremos ser tal como somos? Porque queremos ocupar o lugar do outro? Por mais voltas que demos, nós só somos vistos por aquilo que fazemos a apresentamos e não por aquilo que imaginamos que os outros vêem em nós. Não raro, a diferença entre o ser que somos e o ser que pensamos ser é abissal, sem que nos demos conta que assim é. Isto porque somos pouco dados à reflexão e, sobretudo, porque envaidecemos com o figurão que imaginamos fazer, sem nos apercebermos que estamos a ser ridicularizados às nossa próprias mãos.
Ninguém pode ocupar o lugar do outro. Cada um ocupa apenas o seu próprio espaço, o espaço que, na sua caminhada, cada um soube construir. É este espaço que é sua pertença. «O seu a seu dono», diz o povo.
Convencionalmente, todos somos iguais; naturalmente, todos somos diferentes. Há sempre qualquer coisa que nos diferencia e distingue do outro. Até, neste aspecto, precisamos do outro. E é esta diferença específica que dá encanto e caracteriza o ser humano. Decorre da presente reflexão que o que importa não é parecer, mas sim ser;ser como somos, com os nossos defeitos, com as nossas virtudes, com os nossos tiques, com a nossa personalidade. A grandeza de cada ser humano decorre dos seus defeitos e qualidades, da sua experiência e vivências, da sua existência enquanto ser caminhante (António Pinela, Reflexões, Outubro de 2002).